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Regulação de UTIs como um problema de Regionalização

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Regulação de UTIs como um problema de Regionalização

A regulação de leitos de unidades de tratamento intensivo (UTIs) em Goiânia e no Estado de Goiás como um todo, muito criticada pela falta de agilidade e transparência, é um problema antigo enfrentado pela população goiana que padece na espera em longas filas, com casos de pacientes que chegam a óbito devido à gravidade do caso e a demora na disponibilização de um leito.

Esse problema antigo do Sistema de Regulação ganha novos contornos com a Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Saúde na Câmara Municipal de Goiânia, que investiga supostas irregularidades no serviço de saúde prestado pelo município. No último dia 20/04, foram ouvidos pela CEI o Secretário de Saúde de Goiás, Leonardo Vilela, e o ex-governador, Marconi Perillo. Ambos reafirmaram a falta de transparência do serviço de regulação municipal, segundo palavras do próprio secretário, “(…) em Goiânia não temos transparência nenhuma. O município nunca aceitou compartilhar os dados nem com o Estado, então temos situações em que pacientes entram na fila, somem da fila, passam na frente e ninguém sabe o porquê ou qual o critério”.

Os leitos de UTI dos hospitais estaduais localizados na capital goiana, vem sendo regulados há décadas pela Prefeitura Municipal de Goiânia através de convênio com o Estado. E tem sido matéria de diversas denúncias de fraudes e supostas irregularidades na distribuição de pacientes, inclusive envolvendo supostos pagamentos de propina entre funcionários públicos e donos de empresas de UTI, caso investigado pelo Ministério Público de Goiás na operação SOS SAMU, deflagrada em junho de 2016.

Embora a atenções no momento esteja dirigida ao sistema de regulação de UTIs na capital, problema antigo mas que toma novas dimensões em um ano eleitoral. No entanto, o núcleo problemático dessa crise perpassa pela organização de todo o sistema de saúde do estado de Goiás, que assim como o em muitos estados da federação, não possui um sistema de fato resolutivo e hierarquizado de regionalização da atenção à saúde, com escassos investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e com um déficit enorme de UTIs e centralização dos já existentes.

Levando em consideração a transição demográfica e epidemiológica observada no Brasil, com aumento da expectativa de vida da população e o crescimento das cidades, que segundo dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o monitoramento da saúde da população. Evidencia o aumento da morbimortalidade causado por doenças crônico-degenerativas e causas externas (acidentes e violência). Casos estes que são destinados a atenção hospitalar devido ao agravamento do estado de saúde, representando um maior número de internações que segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), só até o mês de março desse ano já foram internados em média e alta complexidade 21.014 pacientes em Goiás.

Se estimarmos, segundo indicam os dados demográficos e epidemiológicos, o aumento progressivo dos casos de agravamento do estado de saúde com indicações de internação em unidades de tratamento intensivo, avaliando o número ideal de UTIs por habitante, que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 3 a 4 leitos por 10.000 habitantes. Goiás teria que construir 845 novos leitos de UTI para a população goiana estimada em 6.778.772 (IBGE, 2017). Isso corresponderia a um investimento ao longo de 08 anos para alcançarmos o número ideal de UTIs, que hoje apresenta uma taxa de crescimento anual de 6,92% (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Levantamento do número de UTIs no Estado de Goiás no mês de março de 1010 – 2018.

Fonte: Ministério da Saúde – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES.

No entanto a superlotação nos leitos de UTI na capital não se deve somente a proporção de cobertura por habitantes, que segundo censo de 2016 da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Goiânia tem uma proporção de 6,19 leitos de UTI por 10.000 habitantes, proporção que supera a média estadual e nacional que é de 2,03 leitos de UTI por 10.000 habitantes. Isso demonstra um frágil planejamento estratégico de regionalização da atenção à saúde no estado, com concentração em Goiânia de 930 leitos de UTI entre a rede pública e suplementar, correspondendo a 66,8% de todos os leitos do estado segundo dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil (CNES, Mar. 2018).

Em exigência às normativas do Ministério da Saúde (MS) para o processo de regionalização como estratégia para alcance dos princípios de equidade e integralidade da atenção à saúde preconizados pelo SUS, através da Norma Operacional de Assistência a Saúde (NOAS 01/2002). O Estado de Goiás por meio do Plano Diretor de Regionalização (PDR), instituiu 18 Regiões de Saúde, agrupadas em 05 Macrorregiões (figura 2), com o princípio de otimizar a atendimento à saúde da população goiana.

Fonte: Secretaria Estadual de Saúde – SES/GO, via Google Maps.

Não obstante, quando observado o processo de regionalização, que nunca foi seriamente posto em pauta no estado, principalmente no tocante a distribuição dos leitos de UTI, onde se nota uma enorme discrepância na cobertura. Como no caso da Macrorregião Nordeste que engloba 30 municípios com uma população estimada em 1.248.108 habitantes (IBGE, 2016), mas que no entanto possui apenas 05 leitos de UTI localizados no município de Luziânia (CNES, 2018).

N° Habitantes x UTI segundo Macrorregiões de Saúde
Macrorregião de Saúde População (IBGE, 2016) UTIs
Centro Oeste 2258488 985
Nordeste 1248108 5
Centro Norte 1109753 140
Sudoeste 656450 105
Centro Sudeste 1423056 157
Total 6695855 1392

Fonte: IBGE / Ministério da Saúde – Ministério da Saúde – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES.

Segundo o médico e especialista em gestão pública, Dr. Fausto Jaime, a solução para o caos apresentado no Sistema Regulação de Urgência e Emergência, perpassa pela pactuação entre prefeituras e estado com reestruturação e regulação do arcabouço de atenção à saúde, tendo como pilar as Macrorregiões de Saúde, com hierarquização da atenção por níveis de prestação de serviço. Cabendo aos municípios a atenção primária, às regiões de saúde a tenção secundária e às Macrorregiões a atenção terciária.

Regular é compatibilizar a demanda com a ofertas. E para isso a regulação da atenção de alta complexidade como é o caso das UTIs, passa pela reorientação da Regulação do Sistema de Saúde e não só da Regulação ao Acesso, como temos visto recentemente e tem sido matéria de divergências entre a Prefeitura Municipal de Goiânia e Governo do Estado de Goiás. Que muito distante de solucionarem o problema, buscam a saída vendo quem assumirá o gerenciamento da regulação dos leitos de UTI na capital, que sem dúvida apresenta problemas, mas que as soluções ultrapassam a esfera municipal. Como por exemplo a descentralização de leitos na capital e a construção de novos no interior, principalmente na Macrorregião Nordeste que compreende as cidades de Águas Lindas, Campos Belos, Formosa, Novo Gama, Valparaíso e Luziânia. Assim como a retomada de investimentos no SUS, que apresenta apenas 46% do número de leitos de UTI no estado (CNES, Mar. 2018), com uma população de 84% usuária exclusiva do SUS (AMIB, 2016).

Ter acesso a uma saúde integral, gratuita e de qualidade são princípios do SUS e um dever do Estado em proporcionar aos contribuintes tal a acesso. E que políticas como a Política Nacional de Regulação (PNR) e a política de regionalização ao acesso da atenção em saúde, devem ser encaradas pelos gestores como pontos prioritários para a implementação do SUS e a dignidade da população, e que sua implementação independente dos interesses políticos e velhas práticas clientelistas.

Caio César F. Araújo

Bacharel de Biomedicina

Conselheiro Estadual de Saúde

 

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