Quem é a dona de tudo, a rainha do lar, que vale mais que o céu, que a terra, que o mar, a palavra mais linda que um dia o poeta (?) escreveu, o tesouro que o pobre das mãos só senhor recebeu, a razão dos meus dias, feita de amor e esperança? Acertou quem disse aquela que o pai chama de dona encrenca!
Mais que criar discórdia nos lares brasileiros, as presentes linhas pretendem apimentar uma outra disputa, que de certa maneira também envolve ainda que transversalmente – questões de gênero. Por que então não começar pelos versos que abrem a coluna, tal e qual o fez Sansão um dia por amor à sua Dalila?
Obra de David Nasser e Herivelto Martins (a quem Fábio Assunção tentou infrutiferamente interpretar em recente minissérie Global), este verdadeiro clássico traz à baila dois renomados canários dos palcos de Pindorama que se tornaram célebres ao interpretar Mamãe, dotados de uma pitoresca coincidência em seu singular nome de batismo, Agnaldo.
O primeiro, mineiro de Caratinga, prestes a se tornar um octogenário em outubro, tem por segundo nome uma referência bíblica que também nomina outra cidade das Geraes, Timóteo. Para além de ser uma das figuras favoritas dos imitadores dos programas dominicais, esta espécie rara de tenor popular não se enquadra somente na taxonomia moderna de Carl Nilsson Linnæus, mas se arrisca em outro reino de difícil e complexo mapeamento: a política.
Mesmo sem saber bem a diferença entre o pé direito e a mão esquerda, elegeu-se deputado federal pelo Rio de Janeiro, estando filiado desde o início da década de 80 ao partido integrante da Internacional Socialista, à época encabeçado pelo saudoso Leonel Brizola. Prova da péssima mistura foi o desentendimento do artista com o gaudério de Carazinho, o que levou ao afastamento do cantor para as terras movediças de um tal PDS, também conhecido nos anos 70 como ARENA, cujo nome dispensa explicações.
Como grandes feitos de seu primeiro mandato, destaque para a votação no Colégio Eleitoral, quando disse sim a Paulo Maluf, sem contar o hilário primeiro dia como parlamentar, quando ligou para sua progenitora e a saudou com um famoso Alô, mamãe! Eu te amo!, que rapidamente virou bordão.
Em verdade, tratava-se de menção ao título de seu então novo álbum, em que a principal música de trabalho (não confundir com giras do culto afro-brasileiro) ficou eternizada por três meses nas rádios AM pelas frases mamãe estou tão feliz porque voltei pra você. Alguma coisa me diz que hoje eu volto a viver. Penso feliz ao seu lado viver distante (Cuma???) porque mamãe, só pra você eu cantarei agora. Mamãe, a solidão foi para sempre embora.
Kardecismos e pulsões de morte à parte, seguiu sua vida dupla, elegendo-se vereador na Cidade Maravilhosa, em 1996. Não bastasse a troca de partido tão contumaz por estas plagas, trocou também de cidade. O PP de São Paulo (sim, o mesmo do rouba mais faz e do esquecível Pitta) serviu de legenda para que se tornasse membro da bancada russomânica junto àquela Câmara Municipal.
As divergências continuaram e ele foi para o PL. O troca-troca seguiu em sua vida, mas desta vez porque o partido mudou de nome, de PL para PR, deixando de ser Liberal para ser da República. Segundo o intérprete, afeito aos rendez-vous, ninguém é de ninguém. Reeleito, não deixa familiares, mas um lugar no texto para falar de seu tocaio.
Abra a boca, é Rayol! E haja véo palatino pra tanto implante de porcelana! Considerado o rei dos casamentos e dos cachês mais bem pagos do Brasil em tal segmento, o xará carioca da gema, vindo ao mundo em 1938, é muito mais que Ave Maria soprada aos quatro ventos pela sua lírica pegada. Que o diga a babalu Ângela Maria, também parceira daquele…
Certo é que o célebre campeão do Qual é a Música? também tem um quê edipiano em seu trabalho, algo perceptível também em seu mais recente sucesso, datado de 2001, Mia Gioconda.
Na letra, o bravo soldado de origem polpetônica se confunde freudianamente em sua paixão brasuca, a qual associa à figura da pequena Eva, mãe de todos os males e à musa retratada por Da Vinci.
Delírios próprios da guerra, mas que no cotidiano, assim como nas músicas, se reproduzem na redução materna à figura da mulher explorada que limpa a casa, balança o berço e, de vez em quando, as cadeiras, seja no Brasil, no Sri Lanka ou no Reino Unido. Que o digam os gritos críticos de Chá, torrada, café, sim! Li, li, li, li, linguiça, carne assada dos meninos do Pink Floyd.
Silêncio no estúdio!
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