Há muito tempo se discute, entre profissionais e pesquisadores de ambas as áreas, a respeito do relacionamento entre Psicologia e Educação e suas implicações práticas. O surgimento da Psicologia Escolar dá-se a partir desses questionamentos e debates.
A ideia de participação da Psicologia no âmbito pedagógico/da escola se alterou bastante ao longo dos anos. Elementos sociais, políticos, científicos e econômicos, tiveram impacto direto nessas alterações, tanto em retrocessos (anacronicamente falando) quanto em avanços e progressões.
A importância da Psicologia Escolar para a formação de professores, para a formação dos alunos, para a construção de ambientes e boas práticas pedagógicas, assim como para o próprio engrandecimento da Psicologia, cresceu consideravelmente ao longo dos anos.
Hoje, podemos observar a integração entre as duas áreas ocorrendo de maneira mais presente, natural em tantos casos e multidisciplinar. A Psicologia Escolar se desenvolveu ao lado da Pedagogia e atualmente atua para facilitar o processo de aprendizado, ensinamento e aprimoramento institucional, dentro das escolas.
Falemos um pouco mais sobre a história e importância da Psicologia Escolar no Brasil e no mundo!
Uma breve história da Psicologia Escolar no Brasil
O modelo psicométrico
Antes de chegarmos ao Brasil, se faz necessário saber que é no contexto europeu posterior a consolidada Revolução Industrial, com o desenvolvimento das teorias liberais de meritocracia e igualdade de direitos e oportunidades, que surgem os primeiros traços de uma Psicologia Escolar.
A burguesia, pautada na ideia de que as classes sociais dividiam-se como dividiam-se por conta de diferenças de capacidade entre as pessoas, alimentou e foi alimentada pelos instrumentos de medição e análise de inteligência criados por Francis Galton, no início do século XIX.
Francis GaltonA concepção de capacidade intelectual seria levada a frente por outros estudiosos, e na França de 1905, teria sua união consolidada ao tema educação sob a tutela de Alfred Binet, inventor da análise psicométrica voltada para crianças.
Seu método tinha como objetivo desenvolver instrumentos que possibilitassem a seleção, adaptação, orientação e classificação de crianças que necessitassem de educação escolar especial em normais e anormais (Lima, 2005).
Longe de qualquer concepção pedagógica como conhecemos atualmente, o método de Binet foi sustentado por muitos anos, e chegou ao Brasil em 1906, quando Manoel Bonfim funda no Rio de Janeiro um laboratório de Pedagogia Experimental, planejado pelo próprio francês, para a realização de estudos e análises de natureza semelhante.
Até esse momento, os primeiros vestígios da Psicologia Escolar no Brasil baseavam-se na segregação e categorização das crianças, segundo um método analítico que pouco visava o desenvolvimento pleno dessas pessoas como cidadãs críticas.
O modelo clínico
A concepção de Binet perde força com o desenvolvimento de ciências como a Medicina e a Psicologia, principalmente com o surgimento dos estudos sobre o inconsciente tutelados por Sigmund Freud, e psicanálise.
A ideia nesse período era a de que o indivíduo, influenciado pelo meio em que vive, teria suas capacidades cognitivas mais ou menos afetas e/ou desenvolvidas, de forma que a novidade ficaria por parte das classificações.
As crianças que antes eram apontadas como anormais por Binet e seus seguidores, agora seriam apontadas como crianças com problemas de desenvolvimento cognitivo, e os fatores provocadores desses problemas seriam então frutos de elementos que não se baseavam somente nas ideias inatistas.
No Brasil, são nas faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia que se dão introduções ao modelo clínico de Psicologia Escolar, inspirado na Medicina, cujo objetivo era psicodiagnosticar e tratar crianças que apresentassem problemas de aprendizagem e cognição (Lima, 2005).
Era o germinar de alguma coisa, porém, ainda se aplicavam os mesmos testes e a metodologia de Binet para a classificação de crianças. Esse quadro se alteraria somente com o tempo.
O modelo preventivo
Em um contexto em que estudos eram praticados somente com o fim de observar e diagnosticar transtornos de aprendizagem, nasce terreno fértil para a prática psicoterapêutica, no entanto, sob os moldes políticos e clínicos de prevenção do período.
A ideia, baseada na ideologia do recém formado Movimento Higienista, ao lado da ideologia autoritária do Estado Novo (1937-1946), era a de prevenir o surgimento de pessoas não qualificadas para o mercado de trabalho, visto que o Brasil passava por sua industrialização tardia.
Higienizar a população era sinônimo de manter o bem-estar social, escondendo qualquer elemento passível de modificar os interesses do governo da época – que mantinha o desenvolvimento da indústria como principal preocupação.
O papel do Psicólogo torna-se o de auxiliar médicos e outros profissionais a atribuírem diagnósticos de acordo com o modelo de doenças e transtornos do período. Segregava-se como método de erradicar, desde cedo, pessoas problemáticas do convívio em sociedade.
O modelo compensatório
Com o fim da ditadura militar no Brasil, o conceito de Carência Cultural surge, oriundo dos movimentos sociais americanos de minorias, para ser estudado e trabalhado por pesquisadores de todo mundo, inclusive brasileiros.
A ideia base era a de que as diferentes condições de estudos entre crianças de diferentes classes sociais e com diferentes poderes aquisitivos, tinham impacto na maneira com que cada uma poderia vir a aprender e a se desenvolver social e educacionalmente falando.
Esse teria sido um grande passo dado pela Psicologia Escolar ao levar as dimensões sociais em conta no processo de aprendizagem, no entanto, o psicólogo – que havia sido designado para trabalhar com professores e o corpo pedagógico – ainda sim agia impondo certas barreiras ao trabalho multidisciplinar.
Como diz Lima (2005), é importante esclarecer que, mesmo ao atender o grupo de professores, o psicólogo estaria adotando neste momento histórico uma postura ainda individualizante, por não estar considerando ainda todo o cenário educativo escolar, mas apenas um de seus componentes.
A Psicologia Escolar e outras ciências correlatas davam passos, mas eram passos bastante curtos e o caminho não era (assim como ainda não o é hoje) fácil de se percorrer.
O modelo crítico
Foi somente a partir da década de 1980 do século XX que se iniciou um movimento de análise crítica da atuação do psicólogo escolar, a fim de que fosse possível a consideração dos processos desenvolvidos na instituição escolar.
Os “problemas de aprendizagem” passaram a ser vistos como um fenômeno complexo, constituído socialmente, cuja análise deveria abarcar os aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais dos indivíduos (Lima, 2005).
Nesse período, as teorias de Paulo Freyre e Karl Marx passam a ser incorporadas aos processos de formação, estudo e prática de diversas ciências, algo que aconteceria também a Psicologia Escola.
Ao psicólogo, incorporado ao sistema de ensino como peça chave de todo processo educacional e estrutural da escola, é lançado o desafio de superar a visão técnica/clínica que sempre embasou sua atuação, passando a atuar politicamente, ou seja, a “atuar e refletir politicamente com os indivíduos para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades da sua sociedade” (Freire, 1983 apud Lima, 2005).
O momento seria de criar espaços de reflexões com todos os grupos que fazem parte da escola, famílias e aluno, professores, pedagogos, funcionários e comunidade, considerando a realidade escolar como um todo, pesquisando temas que façam parte das preocupações dos envolvidos, fazendo parcerias com outros profissionais que têm a educação como foco de atenção (Lima, 2005).
(divisão histórica baseada no trabalho de Aline Ottoni Moura Nunes de Lima, 2005)
A atuação contemporânea do psicólogo escolar no meio educacional/pedagógico
Ao longo dos anos, a presença dos psicólogos escolares tornou-se cada vez mais requerida no meio educacional/pedagógico, dado o entendimento de sua importância enquanto peça fundamental de ações multidisciplinares nesses ambientes.
Numa perspectiva de produção e aplicação do conhecimento, a ideia de ter o psicólogo escolar no cotidiano da escola tinha como um de seus objetivos permitir com que este pudesse estar mais próximo de outros atores escolares, entendendo suas preocupações acerca do processo de ensino e o funcionamento das relações sociais nesses ambientes.
Suas ações começam a partir de dois pilares fundamentais: sua integração ao meio e a possibilidade de entender por completo as interações e aspectos subjetivos presentes nele e nas pessoas que dele fazem parte.
Esse processo só se torna possível por meio da escuta atenta e da realização de um mapeamento institucional, que propiciam uma investigação aprofundada dos documentos e diretrizes que orientam as práticas pedagógicas do meio.
Sua função consolida-se, então, em entender a dinâmica de trabalho do grupo de professores e demais funcionários, a gestão desenvolvida pela direção da escola, a inter-relação de professores, alunos e pais, entre outros aspectos presentes no ambiente educacional (Marinho-Araújo & Almeida, 2005 apud Barbosa & Marinho-Araújo, 2010).
A partir da compreensão do contexto escolar, o psicólogo pode fazer intervenções em espaços coletivos existentes na escola, conselhos de classe, coordenações de professores e reuniões bimestrais de pais e mestres.
Pode também criar outros espaços de discussão, como grupos de professores, nos quais seja possível a reflexão sobre práticas pedagógicas, estudos de caso e aspectos intersubjetivos que permeiam o trabalho da instituição (Almeida, 2001; Araújo, 2003 apud Barbosa & Marinho-Araújo, 2010).
O psicólogo escolar, afinal, se forma e também ajuda a formar professores, alunos e coordenadores, com sua atuação; ajuda a conscientizar famílias; ajuda a quebrar estigmas; e tenta fazer do ambiente escolar algo mais aconchegante e melhor para todos que dele fazem parte.
A formação do professor e o papel exercido pela Psicologia Escolar
Ser professor exige dedicação e capacidades diversas por parte de quem é, dada a complexidade em lidar com tantas outras pessoas, crianças e adolescentes em sua maioria, e ainda sim ter a responsabilidade de ensinar de forma clara, de ser uma referência.
A atuação do professor é, por natureza, multidisciplinar, e assim deve ser sua formação em todos os sentidos. O papel da Psicologia Escolar, do psicólogo, nesse curso, diz respeito as contribuições técnico-analíticas que pode dar a eles por meio do planejamento e do trabalho conjunto nas escolas.
Sendo função do psicólogo escolar realizar análises e tornar o processo educativo o melhor possível, este profissional permite ao professor, por meio de conhecimentos técnicos e metodológicos, o compreender de relações complexas dadas nesses ambientes para uma visão mais ampla e precisa de problemas e necessidades frequentes.
A presença do psicólogo no contexto escolar, facilitando a criação de espaços de diálogo e reflexão entre docentes e organizadores da escola, torna a participação nesses lugares algo mais rico e democrático. Os aprendizados surgem da multidisciplinariedade.
Professor e psicólogo, além de outros profissionais, passam a atuar juntos. O trabalho com as crianças e familiares passa a ser melhor planejado e desempenhado, dando voz e maior sentido para acontecimentos externos e internos à escola que podem ter impacto direto na saúde e no aprendizado do aluno.
A ampliação da percepção de quadros estranhos ao comportamento natural das crianças e adolescentes surge dessa parceria. A ação conjunta do pedagogo ao lado do psicólogo aumenta a capacidade de apoio a ser oferecida pela instituição escola. Ambos aprendem lado a lado e colocam seus conhecimentos em prática como uma equipe.
A formação do professor é engrandecida pela presença do psicólogo escolar, e a presença do professor no ambiente de trabalho do psicólogo escolar exerce o efeito oposto, engrandecendo a formação do próprio profissional da Psicologia.
Apontamentos, considerações e reflexões finais acerca da união Psicologia e Educação
A participação do psicólogo no meio escolar tem se mostrado bastante frutífera e importante no desenvolvimento de práticas e projetos pedagógicos dentro de escolas, melhorando o processo educacional e facilitando a organização desses ambientes.
Os benefícios são sentidos pelos professores, que passam a ter um apoio a mais na realização de seus trabalhos; pelos alunos, que aprendem melhor com o olhar ainda mais apurado de seus educadores; e por toda a organização institucional, que desfruta das observações e análises realizadas pelos profissionais da Psicologia.
A união entre as áreas se mostra benéfica; a multidisciplinariedade – se bem trabalhada – abre portas em qualquer instituição. No caso acima, a compaixão pelo outro serve de guia para a realização de qualquer atividade.
Seguindo esse exemplo, a educação não precisa ser a única área a se beneficiar disso. Existem outras áreas que necessitam desse tipo de conhecimento compartilhado, não só para aprimorar seu desenvolvimento, como para ajudar outras pessoas que necessitam de ajuda.
Ao longo dos anos, barreiras e limitações impostas a multidisciplinariedade foram construídas, no entanto caminhamos enquanto sociedade em alguns sentidos, e com isso foi possível a desconstrução de algumas dessas imposições.
Precisamos de todo conhecimento existente para darmos outros passos em direção a mudanças, principalmente em relação a realidades do nosso país. Que este exemplo acontecendo na educação, ou mesmo o que acontece na saúde mental hoje, possam servir de guia para outros ambientes e necessidades.
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